O estranho desafio dos urbanistas de Detroit (USA): como encolher a
cidade
14 abril , 2011
Monica Davey
Quando Marja M. Winters estava estudando planejamento urbano na
faculdade, ela aprendeu a arte e a ciência de ajudar as cidades a crescer.
Agora Winters, nativa de Detroit e vice-diretora do departamento de
planejamento e desenvolvimento da cidade, encontra-se num papel inesperado, um
papel para o qual nenhuma escola pensou em prepará-la: ela está tentando
descobrir como ajudar sua cidade natal a encolher, tomando decisões difíceis
que determinarão quais bairros podem ser salvos e quais não.
“Sempre houve essa noção de que a população do mundo continua a crescer,
e mais e mais pessoas querem viver nas cidades”, disse Winters, 33, sobre seus cursos
na Universidade de Michigan. “A realidade é bem diferente. Quem saberia dizer?”
Avaliar a melhor forma de reduzir uma cidade não é algo totalmente
desconhecido (já foi considerado em Youngstown, Ohio; e Flint, Michigan). E o
prefeito Dave Bing estabeleceu como sua maior prioridade lidar com a população
em rápida queda de Detroit e com o colapso de sua infraestrutura, transferindo
aqueles que sobraram para poucos bairros, em vez de deixá-los espalhados por
uma cidade de 360 quilômetros quadrados, cujos limites faziam mais sentido
quando o dobro de pessoas moravam aqui há 40 anos.
Na verdade, realizar um esforço como este, em particular numa cidade tão
vasta quanto Detroit, é como resolver um conjunto complicado de quebra-cabeças
entrelaçados, como Winters descobriu durante dias longos e algumas noites
debruçada sobre milhares de páginas de mapas e estatísticas em seu escritório
no 23º andar do centro da cidade.
Como reconfigurar as estradas, linhas de ônibus, distritos policiais?
Como encorajar as pessoas – não há um poder para obrigá-las – a sair dos piores
bairros e ir para bairros melhores?
No final deste mês, uma equipe da qual Winters faz parte deve apresentar
uma proposta – certamente muito controversa – de mapa para servir de guia para
os investimentos em cada um dos bairros da cidade. Um plano final para uma
cidade refeita deve ficar pronto até o final do ano.
“O maior equívoco é achar que não precisamos mudar”, disse Bing, que foi
eleito em 2009 e descreve sua cidade como um lugar que está “machucado” e
“doente”.
“Os maiores problemas são as pessoas que moram na periferia, mais do que
qualquer outra coisa, onde os bairros decaíram a um ponto em que não faz mais
sentido reinvestir”, disse ele. “As pessoas dirão: ‘bem, por que não eu?’ E eu
digo: não temos dinheiro para fazer isso.”
Detroit já está encolhendo por conta própria, é claro. Números recentes
do censo mostram que a cidade, que já foi a quarta maior do país, perdeu um
quarto de sua população só na última década, deixando-a com menos de 714 mil
habitantes.
Mas a perda de população foi espalhada por toda a cidade, o que
significa que as casas vagas e depredadas e os terrenos vagos pontuam os
bairros de Detroit, em vez de surgir em pedaços consolidados e convenientes da
periferia da cidade, deixando um centro mais vibrante. De fato, alguns dos
bairros mais bem cuidados estão nas periferias, enquanto os locais
problemáticos estão mais próximos do centro.
E assim, um contingente de consultores privados e funcionários
municipais como Winters estão participando de uma das análises mais profundas
da história de Detroit, avaliando a densidade populacional, casas hipotecadas,
doenças, parques, ruas, encanamentos de água e esgoto, rotas de ônibus,
terrenos públicos, e assim por diante.
Entre as descobertas mais tristes: mais de 100 mil terrenos, privados e
públicos, estão vagos, e apenas 38% dos habitantes de Detroit trabalham na
cidade.
O objetivo é identificar os bairros mais fortes e mais viáveis, que
receberiam atenção e ajuda adicionais do município. Os moradores de alguns dos
bairros mais fracos e vazios seriam incentivados a se mudar.
Será uma venda difícil para pessoas como Luther Gordon, cuja casa na
zona leste da cidade fica na frente de uma casa vazia que pegou fogo algumas
noites atrás e um lote vago num quarteirão cheio deles.
“Vou ficar exatamente aqui”, disse Gordon, 54, sobre a possibilidade de
que seu bairro de mais de duas décadas possa ser considerado abandonado demais
para ser salvo. “Eu não planejo ir para nenhum lugar a não ser para debaixo da
terra.”
Os rumores estão circulando pelos bairros. O principal é o de que os
piores bairros serão fechados, a energia será desligada e os prédios
derrubados. A verdadeira intenção, disse Winters, é bem mais sutil, e lenta.
Embora a cidade ofereça algum tipo de incentivo para as pessoas de
bairros miseráveis se mudarem, nenhum bairro será simplesmente fechado, diz
Winters. Um lugar que não for considerado valioso para novos investimentos
residenciais pode ver mudanças sutis: serviços como coleta de lixo podem ficar mais
lentos, de uma vez por semana para até uma vez a cada 12 dias.
“Queremos reduzir o custo dos serviços para a cidade, mas também
queremos manter uma qualidade de vida básica – a chave é como equilibrar
isso?”, disse Winters.
O plano definitivo para esses bairros – o custo final para consolidá-lo
– é incerto; alguns bairros poderão abrigar novas indústrias, e alguns poderão
ser usados para preencher necessidades temporárias, ou para jardins urbanos e
espaço verde.
Em bairros mais abastados, como o Indian Village, onde mansões preenchem
os quarteirões e equipes de cortar grama estavam trabalhando na semana passada,
a ideia de diminuir os bairros da cidade parece ter apelo para muitos
moradores.
“Quando vou para alguns bairros hoje, fico com lágrimas nos olhos,
simplesmente não consigo acreditar no que vejo”, disse Rukayya Ahsan-McTier,
que andava rapidamente para se exercitar no Indian Village, enquanto carregava
um taco de golfe em uma das mãos para se proteger dos cachorros de rua ou, como
ela disse, de qualquer problema que possa aparecer.
Ainda assim, até Ahsan-McTier tem dúvidas sobre como o plano da cidade
funcionará. Como o município convencerá as pessoas a sair de bairros mais
baratos para ir para bairros mais caros? E será que os novos vizinhos se
integrarão?
Em outros lugares, as pessoas tinham suas próprias preocupações: será
que isso será apenas mais um capítulo da “renovação urbana” na qual os mais
pobres, menos escolarizados e menos sortudos serão obrigados a mudar? E o que
exatamente acontecerá com os bairros com menos serviços, que já são infestados
por novos tipos de crimes que os moradores descrevem como audaciosos? (Lojas de
alguns bairros começaram a colocar blocos de cimento do lado de fora de suas
entradas de vidro, dizem os moradores, para evitar que os ladrões entrem com
seus carros pela porta para assaltar.)
“Tenho esperança, mas não sei o que tudo isso significará”, disse Bayard
Kurth, que trabalha com impressão no West Village, outro bairro bem
estabelecido. “Grandes cinturões verdes na cidade? Lugares sem monitoramento
onde as pessoas fazem o que querem? Festas de dia inteiro?”
Por sua vez, as autoridades dizem que a polícia e os bombeiros sempre
servirão a todos os bairros de Detroit – até aqueles em que restaram apenas
poucas pessoas.
A esperança de Bing é que um “grupo central” de bairros conectados ao
centro, e à espinha dorsal da cidade, a Avenida Woodward, continuem existindo,
e que o plano por fim ajude a acabar com o êxodo de habitantes de Detroit.
Mais tarde, Winters passou horas numa reunião com grandes grupos para
conversar sobre suas preocupações. Na semana passada, clérigos fizeram
perguntas a ela; antes disso, foram os moradores mais antigos. No final deste
mês, ela também deve se encontrar com os jovens, artistas, ambientalistas e
empreendedores.
“É tudo muito difícil”, disse Winters outro dia. “Há muita coisa
envolvida, não podemos simplesmente nos dar ao luxo de errar. Temos que acertar
isso, agora mesmo.”
Tradução: Eloise De Vylder
Fonte: The New York Times
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