Convento dos Dominicanos de La Tourrette, 1960, França - Le Coubusier |
As idéias
para as primeiras postagens no blog surgiram a partir de dois questionamentos
principais: a etimologia da palavra ARQUITETURA, que decomposta nos leva a uma
reflexão sobre a atuação do profissional arquiteto-urbanista nos dias de hoje e
o MODELO NEURÓTICO de cidade, derivado de um projeto ideal de unicidade e que
reconhece no topo da estrutura hierárquica de ordenamento da urbe esse mesmo
profissional, algo que pode justificar e conduzir a práticas tecnocráticas.
A palavra “arquiteto” vem
do grego arkhitektôn que
significa "o construtor principal" (arqui = principal / tectônica =
construção) ou "mestre de obras". A compreensão desta etimologia,
porém, pode ser expandida na medida em que a palavra ARCHÉ, segundo Jacques Derrida passa a significar “o local de onde as ordens são dadas” ou "o princípio das coisas".
Desta forma, o arquiteto seria o construtor primordial, fundamental.
Até a o Renascimento, não havia
distinção entre a atividade do projeto e a execução do mesmo, estando todas as
atividades subordinadas à mesma figura. No entanto, com o tempo, a questão da
autoria ganha mais força e o arquiteto surge como uma figura “solitária”, a
qual é atribuída o esforço da atividade intelectual dissociada da prática do operário.
A distância entre
projeto e canteiro de obras (explicitada em publicações como “O Canteiro e o
Desenho”, de Sérgio Ferro e “Arquiteto – Máscara e Face”, de Paulo Bicca)
demonstra como o domínio sobre as técnicas de desenho e representação de
projetos, convenções e simbologias próprias do saber instituído no ensino
formal da arquitetura reforçam as relações de PODER estabelecidas dentro da
produção da cidade e da arquitetura reconhecidas legalmente e, por conseguinte,
a diferença de valor entre o conceber e o construir.
Paulo Bicca afirma
que “o fato de o arquiteto ser o suporte
de um trabalho intelectual dividido do trabalho manual faz da sua existência
algo de profundamente social e inevitavelmente comprometido com as contradições
daí resultantes.” Nas organizações sociais onde se atingiu um alto grau de
formação intelectual e especialização, o trabalho manual é rejeitado de forma
natural e assumido principalmente, pelas classes minoritárias.
Para Sérgio Ferro, “Arquitetura é mercadoria que serve ao
capital e, portanto procura, sobretudo, a mais-valia que alimenta o lucro. Para
tanto, há forçosamente exploração do trabalho, sua mutilação e submissão às
autoridades representantes do capital (e em grande parte dos casos a
Arquitetura faz parte desses representantes). Segue uma série de conseqüências: irracionalidade
do projeto (a simplicidade da construção exige injeções de boas doses de
mistificação para justificar a «necessidade» da dominação); desaparecimento de
qualquer vestígio de arte (fruto exclusivo de trabalho livre) – e, no pólo
operário, miséria, salários baixíssimos, doenças, acidentes, desqualificação,
etc”
Em “O Canteiro e o Desenho”, Ferro se detém
longamente na questão da transformação do desenho em instrumento do capital, de
extração da mais-valia nos canteiros da construção civil e, portanto,
instrumento de dominação. “Na
arquitetura, entre o gesto e o propósito entra a vontade de um outro. Entre a
mão que faz e seu objetivo se insere o desenho do projetista. Aliás, esta é a
primeira missão do desenho sob o capital: separar a mão do seu objetivo
próprio, o fazer do feito.” Contrapondo a isso,
Ferro escreve sobre a importância do gesto produtivo deixado na matéria, onde
diz que a “plástica perturbadora de Le
Corbusier decorre da franqueza com que o concreto deixado aparente registra os
azares da matéria resistente amoldada pelo trabalhador coletivo”.
Para não me alongar
nesse assunto e desviar das duas questões que motivaram o título do blog, deixo
o link de uma entrevista feita com Sérgio Ferro sobre a Arquitetura e luta de
classes, bem como a primeira parte do documentário “Conterrâneos Velhos de Guerra”, do diretor Vladimir Carvalho, em que aborda o período da construção de Brasília e as precárias
condições de trabalho dos cerca de 50 mil operários.
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