sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

1_Anúncio de uma Arquitetura Menor


Convento dos Dominicanos de La Tourrette, 1960, França - Le Coubusier
As idéias para as primeiras postagens no blog surgiram a partir de dois questionamentos principais: a etimologia da palavra ARQUITETURA, que decomposta nos leva a uma reflexão sobre a atuação do profissional arquiteto-urbanista nos dias de hoje e o MODELO NEURÓTICO de cidade, derivado de um projeto ideal de unicidade e que reconhece no topo da estrutura hierárquica de ordenamento da urbe esse mesmo profissional, algo que pode justificar e conduzir a práticas tecnocráticas.

A palavra “arquiteto” vem do grego arkhitektôn que significa "o construtor principal" (arqui = principal / tectônica = construção) ou "mestre de obras". A compreensão desta etimologia, porém, pode ser expandida na medida em que a palavra ARCHÉ, segundo Jacques Derrida passa a significar “o local de onde as ordens são dadas” ou "o princípio das coisas". Desta forma, o arquiteto seria o construtor primordial, fundamental.

Até a o Renascimento, não havia distinção entre a atividade do projeto e a execução do mesmo, estando todas as atividades subordinadas à mesma figura. No entanto, com o tempo, a questão da autoria ganha mais força e o arquiteto surge como uma figura “solitária”, a qual é atribuída o esforço da atividade intelectual dissociada da prática do operário.
A distância entre projeto e canteiro de obras (explicitada em publicações como “O Canteiro e o Desenho”, de Sérgio Ferro e “Arquiteto – Máscara e Face”, de Paulo Bicca) demonstra como o domínio sobre as técnicas de desenho e representação de projetos, convenções e simbologias próprias do saber instituído no ensino formal da arquitetura reforçam as relações de PODER estabelecidas dentro da produção da cidade e da arquitetura reconhecidas legalmente e, por conseguinte, a diferença de valor entre o conceber e o construir.
Paulo Bicca afirma que “o fato de o arquiteto ser o suporte de um trabalho intelectual dividido do trabalho manual faz da sua existência algo de profundamente social e inevitavelmente comprometido com as contradições daí resultantes.” Nas organizações sociais onde se atingiu um alto grau de formação intelectual e especialização, o trabalho manual é rejeitado de forma natural e assumido principalmente, pelas classes minoritárias.
Para Sérgio Ferro, “Arquitetura é mercadoria que serve ao capital e, portanto procura, sobretudo, a mais-valia que alimenta o lucro. Para tanto, há forçosamente exploração do trabalho, sua mutilação e submissão às autoridades representantes do capital (e em grande parte dos casos a Arquitetura faz parte desses representantes). Segue uma série de conseqüências: irracionalidade do projeto (a simplicidade da construção exige injeções de boas doses de mistificação para justificar a «necessidade» da dominação); desaparecimento de qualquer vestígio de arte (fruto exclusivo de trabalho livre) – e, no pólo operário, miséria, salários baixíssimos, doenças, acidentes, desqualificação, etc”

Em “O Canteiro e o Desenho”, Ferro se detém longamente na questão da transformação do desenho em instrumento do capital, de extração da mais-valia nos canteiros da construção civil e, portanto, instrumento de dominação. “Na arquitetura, entre o gesto e o propósito entra a vontade de um outro. Entre a mão que faz e seu objetivo se insere o desenho do projetista. Aliás, esta é a primeira missão do desenho sob o capital: separar a mão do seu objetivo próprio, o fazer do feito.” Contrapondo a isso, Ferro escreve sobre a importância do gesto produtivo deixado na matéria, onde diz que a “plástica perturbadora de Le Corbusier decorre da franqueza com que o concreto deixado aparente registra os azares da matéria resistente amoldada pelo trabalhador coletivo”.

Para não me alongar nesse assunto e desviar das duas questões que motivaram o título do blog, deixo o link de uma entrevista feita com Sérgio Ferro sobre a Arquitetura e luta de classes, bem como a primeira parte do documentário “Conterrâneos Velhos de Guerra”, do diretor Vladimir Carvalho, em que aborda o período da construção de Brasília e as precárias condições de trabalho dos cerca de 50 mil operários. 

http://www.youtube.com/watch?v=hr7jh7Bv-Rk


Postado por Bárbara Veronez

Nenhum comentário:

Postar um comentário