Por Rafael Rodrigues
“As cidades adquirem
na modernidade um estatuto novo na história, não somente quantitativo, mas,
sobretudo, qualitativo. Pois, se afirmar que cidades existem desde a mais
remota antiguidade, não é senão no século XIX que vemos emergir uma ciência da cidade:
o urbanismo, quando pela primeira vez a cidade se torna foco de observação,
analise e discurso” (PECHMAN, 1997).
Esse urbanismo se
alinha com uma proposta de reforma social que tem base na medicina
higienista, na estatística sanitária ,e na criminologia ambientalista, e assim
estabelece um novo modo de olhar a cidade. E sobretudo os novos traçados da cidade
moderna, importados principalmente da Paris do Barão de Haussmann, com suas
ruas largas avenidas iluminadas que incitavam o movimento incessante das multidões,
foram aclamados exemplos a serem seguidos em todas as cidades, de forma a
garantir o funcionamento do “organismo” termo empregado na concepção iluminista
da cidade comparada ao corpo que deveria funcionar bem em cada uma de suas
unidade e em sua totalidade.
Mediante a instauração de uma cidade modelo, ou ideal,
elegi-se o que faz de uma cidade bela e funcional, estabelecendo sonhos “
promessas de completude”. O mesmo ideal
que instaura o belo, instaura também o que é desviado, o crime , desordem como
mal em si, então se imperam padrões de estética de harmonia, limpeza e
organização e por conseqüência torna-se necessário praticas de exclusão.
O poema de Baudelaire, intitulado “ O olhos dos Pobres”, que
situado na época da reconstrução de Paris por Haussmann, coloca essas questões
de maneira muito clara, e em seu cerne, em nada distante dos dias atuais:
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na
esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho já mostrando
gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás
disseminava ali toda suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as
superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajés
de rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo o falcão em suas mãos,
ninfas e deuses portanto frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os
Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a historia e
toda a mitologia a serviço da comilança.
(BAUDELAIRE, 1995)
Olhos nos olhos, os dois amantes
deste conto trocam juras de amor, confidencias e prometem-se a união de suas
almas e pensamentos para que possam estar eternamente juntos e em paz. No
entanto, este plácido “olhos nos olhos” estes arregalados de fascínio. A
estranha família de olhos arregalados se aproxima de cena dos apaixonados
que tinham a oportunidade de viver seu
amor tão privado sob as luzes de Paris.
Os olhos do pai diziam: “como é bonito! Como é bonito! Parece que todo
o ouro do pobre mundo veio para nessas paredes .” Os olhos do menino: “ Como é
bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós’’.
Quando aos olhos do menor, estava fascinado demais para exprimir outra coisa
que não uma alegria estúpida e profunda (BAUDELAIRE, 1995)
A distancia que separava os
habitantes nobres de Paris dos seus “ex-habitantes’’ indesejados era tão
falaciosa quanto a proximidade que uniam os dois amantes. Pois o narrador-personagem
do poema, ao sentir-se incomodado, e mesmo com alguma afinidade pela estranha família,
olha para a amante a fim de encontrar o mesmo sentimento em seus olhos, o que
se mostrou uma busca vã. Extremamente indisposta, a mulher manifesta seu desejo
de que o responsável por agendar os clientes venha intervir e tirar da vista,
de uma vez por todas, a indesejada família.
Importante ressaltar, que partimos da idéia de que o individuo,
suas ações e modos de pensar, o que nos remete ao “modo de olhar a cidade” não
se desassociam das subjetividades que o rodeia ou seja: é completamente
influenciado pelo espaço que o cerca,
então, como arquitetos urbanistas devemos nos atentar para quais
influencias estão presentes nas nossas propostas, o termo influencia poderia
ser substituído por “força” trabalhado segundo foucault .
RODRIGUES, Ana Cabral - A
Politização de Vazios