sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Pensar a cidade


Por Rafael Rodrigues

As cidades adquirem na modernidade um estatuto novo na história, não somente quantitativo, mas, sobretudo, qualitativo. Pois, se afirmar que cidades existem desde a mais remota antiguidade, não é senão no século XIX que vemos emergir uma ciência da cidade: o urbanismo, quando pela primeira vez a cidade se torna foco de observação, analise e discurso” (PECHMAN, 1997).
  Esse urbanismo se alinha com uma proposta de  reforma social que tem base na medicina higienista, na estatística sanitária ,e na criminologia ambientalista, e assim estabelece um novo modo de olhar a cidade.                                    E sobretudo os novos traçados da cidade moderna, importados principalmente da Paris do Barão de Haussmann, com suas ruas largas avenidas iluminadas que incitavam o movimento incessante das multidões, foram aclamados exemplos a serem seguidos em todas as cidades, de forma a garantir o funcionamento do “organismo” termo empregado na concepção iluminista da cidade comparada ao corpo que deveria funcionar bem em cada uma de suas unidade e em sua totalidade.
Mediante a instauração de uma cidade modelo, ou ideal, elegi-se o que faz de uma cidade bela e funcional, estabelecendo sonhos “ promessas de completude”.  O mesmo ideal que instaura o belo, instaura também o que é desviado, o crime , desordem como mal em si, então se imperam padrões de estética de harmonia, limpeza e organização e por conseqüência torna-se necessário praticas de exclusão.  

O poema de Baudelaire, intitulado “ O olhos dos Pobres”, que situado na época da reconstrução de Paris por Haussmann, coloca essas questões de maneira muito clara, e em seu cerne, em nada distante dos dias atuais:
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali toda suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajés de rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo o falcão em suas mãos, ninfas e deuses portanto frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor  dos sorvetes matizados; toda a historia e toda a mitologia a serviço da  comilança. (BAUDELAIRE, 1995)
Olhos nos olhos, os dois amantes deste conto trocam juras de amor, confidencias e prometem-se a união de suas almas e pensamentos para que possam estar eternamente juntos e em paz. No entanto, este plácido “olhos nos olhos” estes arregalados de fascínio. A estranha família de olhos arregalados se aproxima de cena dos apaixonados que  tinham a oportunidade de viver seu amor tão privado sob as luzes de Paris.
Os olhos do pai diziam: “como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio para nessas paredes .” Os olhos do menino: “ Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós’’. Quando aos olhos do menor, estava fascinado demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda (BAUDELAIRE, 1995)
A distancia que separava os habitantes nobres de Paris dos seus “ex-habitantes’’ indesejados era tão falaciosa quanto a proximidade que uniam os dois amantes. Pois o narrador-personagem do poema, ao sentir-se incomodado, e mesmo com alguma afinidade pela estranha família, olha para a amante a fim de encontrar o mesmo sentimento em seus olhos, o que se mostrou uma busca vã. Extremamente indisposta, a mulher manifesta seu desejo de que o responsável por agendar os clientes venha intervir e tirar da vista, de uma vez por todas, a indesejada família.

Importante ressaltar, que partimos da idéia de que o individuo, suas ações e modos de pensar, o que nos remete ao “modo de olhar a cidade” não se desassociam das subjetividades que o rodeia ou seja: é completamente influenciado pelo espaço que o cerca,  então, como arquitetos urbanistas devemos nos atentar para quais influencias estão presentes nas nossas propostas, o termo influencia poderia ser substituído por “força” trabalhado segundo foucault .

RODRIGUES, Ana Cabral -  A Politização de Vazios  





quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Teoria "É preciso que sirva, é preciso que funcione"


    É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se outras; há outras a serem feitas. 
          E curioso que seja um autor que é considerado um puro intelectual, Proust, que o tenha dito tão claramente: tratem meus livros como óculos dirigidos para fora e se eles não lhes servem, consigam outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate (Deleuze, 1979).

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Potsdamer Platz

Postado por Larissa Cosmi


http://vitruvius.es/revistas/read/arquitextos/06.071/365

Gestalt

Postado por Larissa Cosmi

O que é Gestalt?

http://design.blog.br/
A psicologia da Gestalt é um movimento que atua na área da teoria da forma. O design utiliza as leis da Gestalt o tempo todo, muitas vezes até de forma inconsciente. Ele ajuda as pessoas a assimilarem informações e entenderem as mensagens que são passadas. Este artigo visa explicar de forma detalhada o que é a Gestalt e como ela é aplicada no mundo do design gráfico e web design.

O que significa a palavra Gestalt?

Muita gente acha que é o sobrenome de algum psicólogo que teria fundado o movimento. Na verdade, é uma palavra de origem germânica que significa “forma” ou “figura”. Outros nomes pra psicologia da Gestalt são Gestaltismo, psicologia da forma ou simplesmente Gestalt.
Embora esse movimento tenha sido fundado por Max Wertheimer, o conceito de Gestalt foi primeiro introduzido na filosofia e psicologia contemporânea por Christian von Ehrenfels. Outros nomes importantes da Gestalt são Kurt Koffka e Wolfgang Kohler.

Qual é o princípio básico da Gestalt?

Em termos mais gerais, é o conjunto de entidades físicas, biológicas, fisiológicas ou simbólicas que juntas formam um conceito, padrão ou configuração unificado que é maior que a soma de suas partes. Ou seja, o princípio básico da teoria gestaltista é que o inteiro é interpretado de maneira diferente que a soma de suas partes.
Vemos uma mesa como um objeto diferente do que apenas a soma de suas partes
Vemos uma mesa como um objeto diferente do que apenas a soma de suas partes

Quais são as leis da Gestalt?

Você já notou como uma série de luzes piscantes parecem se mover de vez em quando, como sinais de neon e luzes natalinas? De acordo com a Gestalt, esse movimento aparente acontece por que nossas mentes preenchem a informação que falta.
gestalt02
A crença é de que o inteiro é maior do que a soma de suas partes inviduais levou ao descobrimento de diferentes fenômenos que ocorrem durante a percepção.
As leis básicas da Gestalt são usadas com uma frequência altíssima hoje em dia no design, assim como em outras áreas do conhecimento humanos (como arquitetura, artes, moda, etc).
São elas:
  • Semelhança
  • Proximidade
  • Continuidade
  • Pregnância
  • Fechamento

Lei da Semelhança

A lei da semelhança dita que eventos que são similares se agruparão entre si.
Gestalt - Semelhança

Lei da Proximidade

Elementos são agrupados de acordo com a distância a que se encontram uns dos outros. Elementos que estão mais perto de outros numa região tendem a ser percebidos como um grupo.
Gestalt - Proximidade

Lei da Continuidade

Essa lei dita que pontos que estão conectados por uma linha reta ou curva, são vistos de uma maneira a seguirem um caminho mais suave. Em vez de ver linhas e ângulos separados, linhas são vistas como uma só.
Gestalt - Continuidade

Lei da Pregnância

É chamado também de lei da simplicidade. Ela dita que objetos em um ambiente são vistos da forma mais simples possíveis. Quanto mais simples, mais facilmente é assimilada.
Gestalt - Pregnância

Lei do Fechamento

Elementos são agrupados se eles parecem se completar. Ou seja, nossa mente ver um objeto completo mesmo quando não há um.
Gestalt - Fechamento

Quando a Gestalt deve ser aplicada?

Sempre que possível. Usando teorias gestaltistas no design, você pode gerar soluções alternativas para problemas comuns.








Um bônus:


http://www.luli.com.br/2007/05/22/aprenda-gestalt-com-james-brown/

Deserto de Detroit


Postado por Larissa Cosmi

O estranho desafio dos urbanistas de Detroit (USA): como encolher a cidade

14 abril , 2011
Monica Davey

Quando Marja M. Winters estava estudando planejamento urbano na faculdade, ela aprendeu a arte e a ciência de ajudar as cidades a crescer.

Agora Winters, nativa de Detroit e vice-diretora do departamento de planejamento e desenvolvimento da cidade, encontra-se num papel inesperado, um papel para o qual nenhuma escola pensou em prepará-la: ela está tentando descobrir como ajudar sua cidade natal a encolher, tomando decisões difíceis que determinarão quais bairros podem ser salvos e quais não.

“Sempre houve essa noção de que a população do mundo continua a crescer, e mais e mais pessoas querem viver nas cidades”, disse Winters, 33, sobre seus cursos na Universidade de Michigan. “A realidade é bem diferente. Quem saberia dizer?”

Avaliar a melhor forma de reduzir uma cidade não é algo totalmente desconhecido (já foi considerado em Youngstown, Ohio; e Flint, Michigan). E o prefeito Dave Bing estabeleceu como sua maior prioridade lidar com a população em rápida queda de Detroit e com o colapso de sua infraestrutura, transferindo aqueles que sobraram para poucos bairros, em vez de deixá-los espalhados por uma cidade de 360 quilômetros quadrados, cujos limites faziam mais sentido quando o dobro de pessoas moravam aqui há 40 anos.

Na verdade, realizar um esforço como este, em particular numa cidade tão vasta quanto Detroit, é como resolver um conjunto complicado de quebra-cabeças entrelaçados, como Winters descobriu durante dias longos e algumas noites debruçada sobre milhares de páginas de mapas e estatísticas em seu escritório no 23º andar do centro da cidade.

Como reconfigurar as estradas, linhas de ônibus, distritos policiais? Como encorajar as pessoas – não há um poder para obrigá-las – a sair dos piores bairros e ir para bairros melhores?

No final deste mês, uma equipe da qual Winters faz parte deve apresentar uma proposta – certamente muito controversa – de mapa para servir de guia para os investimentos em cada um dos bairros da cidade. Um plano final para uma cidade refeita deve ficar pronto até o final do ano.

“O maior equívoco é achar que não precisamos mudar”, disse Bing, que foi eleito em 2009 e descreve sua cidade como um lugar que está “machucado” e “doente”.

“Os maiores problemas são as pessoas que moram na periferia, mais do que qualquer outra coisa, onde os bairros decaíram a um ponto em que não faz mais sentido reinvestir”, disse ele. “As pessoas dirão: ‘bem, por que não eu?’ E eu digo: não temos dinheiro para fazer isso.”

Detroit já está encolhendo por conta própria, é claro. Números recentes do censo mostram que a cidade, que já foi a quarta maior do país, perdeu um quarto de sua população só na última década, deixando-a com menos de 714 mil habitantes.

Mas a perda de população foi espalhada por toda a cidade, o que significa que as casas vagas e depredadas e os terrenos vagos pontuam os bairros de Detroit, em vez de surgir em pedaços consolidados e convenientes da periferia da cidade, deixando um centro mais vibrante. De fato, alguns dos bairros mais bem cuidados estão nas periferias, enquanto os locais problemáticos estão mais próximos do centro.
E assim, um contingente de consultores privados e funcionários municipais como Winters estão participando de uma das análises mais profundas da história de Detroit, avaliando a densidade populacional, casas hipotecadas, doenças, parques, ruas, encanamentos de água e esgoto, rotas de ônibus, terrenos públicos, e assim por diante.

Entre as descobertas mais tristes: mais de 100 mil terrenos, privados e públicos, estão vagos, e apenas 38% dos habitantes de Detroit trabalham na cidade.

O objetivo é identificar os bairros mais fortes e mais viáveis, que receberiam atenção e ajuda adicionais do município. Os moradores de alguns dos bairros mais fracos e vazios seriam incentivados a se mudar.

Será uma venda difícil para pessoas como Luther Gordon, cuja casa na zona leste da cidade fica na frente de uma casa vazia que pegou fogo algumas noites atrás e um lote vago num quarteirão cheio deles.


“Vou ficar exatamente aqui”, disse Gordon, 54, sobre a possibilidade de que seu bairro de mais de duas décadas possa ser considerado abandonado demais para ser salvo. “Eu não planejo ir para nenhum lugar a não ser para debaixo da terra.”

Os rumores estão circulando pelos bairros. O principal é o de que os piores bairros serão fechados, a energia será desligada e os prédios derrubados. A verdadeira intenção, disse Winters, é bem mais sutil, e lenta.

Embora a cidade ofereça algum tipo de incentivo para as pessoas de bairros miseráveis se mudarem, nenhum bairro será simplesmente fechado, diz Winters. Um lugar que não for considerado valioso para novos investimentos residenciais pode ver mudanças sutis: serviços como coleta de lixo podem ficar mais lentos, de uma vez por semana para até uma vez a cada 12 dias.

“Queremos reduzir o custo dos serviços para a cidade, mas também queremos manter uma qualidade de vida básica – a chave é como equilibrar isso?”, disse Winters.

O plano definitivo para esses bairros – o custo final para consolidá-lo – é incerto; alguns bairros poderão abrigar novas indústrias, e alguns poderão ser usados para preencher necessidades temporárias, ou para jardins urbanos e espaço verde.

Em bairros mais abastados, como o Indian Village, onde mansões preenchem os quarteirões e equipes de cortar grama estavam trabalhando na semana passada, a ideia de diminuir os bairros da cidade parece ter apelo para muitos moradores.

“Quando vou para alguns bairros hoje, fico com lágrimas nos olhos, simplesmente não consigo acreditar no que vejo”, disse Rukayya Ahsan-McTier, que andava rapidamente para se exercitar no Indian Village, enquanto carregava um taco de golfe em uma das mãos para se proteger dos cachorros de rua ou, como ela disse, de qualquer problema que possa aparecer.

Ainda assim, até Ahsan-McTier tem dúvidas sobre como o plano da cidade funcionará. Como o município convencerá as pessoas a sair de bairros mais baratos para ir para bairros mais caros? E será que os novos vizinhos se integrarão?

Em outros lugares, as pessoas tinham suas próprias preocupações: será que isso será apenas mais um capítulo da “renovação urbana” na qual os mais pobres, menos escolarizados e menos sortudos serão obrigados a mudar? E o que exatamente acontecerá com os bairros com menos serviços, que já são infestados por novos tipos de crimes que os moradores descrevem como audaciosos? (Lojas de alguns bairros começaram a colocar blocos de cimento do lado de fora de suas entradas de vidro, dizem os moradores, para evitar que os ladrões entrem com seus carros pela porta para assaltar.)

“Tenho esperança, mas não sei o que tudo isso significará”, disse Bayard Kurth, que trabalha com impressão no West Village, outro bairro bem estabelecido. “Grandes cinturões verdes na cidade? Lugares sem monitoramento onde as pessoas fazem o que querem? Festas de dia inteiro?”

Por sua vez, as autoridades dizem que a polícia e os bombeiros sempre servirão a todos os bairros de Detroit – até aqueles em que restaram apenas poucas pessoas.

A esperança de Bing é que um “grupo central” de bairros conectados ao centro, e à espinha dorsal da cidade, a Avenida Woodward, continuem existindo, e que o plano por fim ajude a acabar com o êxodo de habitantes de Detroit.

Mais tarde, Winters passou horas numa reunião com grandes grupos para conversar sobre suas preocupações. Na semana passada, clérigos fizeram perguntas a ela; antes disso, foram os moradores mais antigos. No final deste mês, ela também deve se encontrar com os jovens, artistas, ambientalistas e empreendedores.

“É tudo muito difícil”, disse Winters outro dia. “Há muita coisa envolvida, não podemos simplesmente nos dar ao luxo de errar. Temos que acertar isso, agora mesmo.”

Tradução: Eloise De Vylder

Fonte: The New York Times

Cidade Ideal


A Cidade Ideal

Postado por Larissa Cosmi

[introdução]
Jumento: Àquela altura da estrada já éramos quatro amigos.
Queríamos fazer um conjunto, bem.
Queríamos ir juntos à cidade, muito bem.
Só que, à medida que agente ía caminhando,
quando começamos a falar dessa cidade, fui percebendo
que os meus amigos tinham umas idéias bem esquisitas
sobre o que é uma cidade. Umas idéias atrapalhadas,
cada ilusão. Negócio de louco...

[música]
Cachorro:
A cidade ideal dum cachorro
Tem um poste por metro quadrado
Não tem carro, não corro, não morro
E também nunca fico apertado

Galinha:
A cidade ideal da galinha
Tem as ruas cheias de minhoca
A barriga fica tão quentinha
Que transforma o milho em pipoca

Crianças:
Atenção porque nesta cidade
Corre-se a toda velocidade
E atenção que o negócio está preto
Restaurante assando galeto

Todos:
Mas não, mas não
O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores
Fossem somente crianças

Gata:
A cidade ideal de uma gata
É um prato de tripa fresquinha
Tem sardinha num bonde de lata
Tem alcatra no final da linha

Jumento:
Jumento é velho, velho e sabido
E por isso já está prevenido
A cidade é uma estranha senhora
Que hoje sorri e amanhã te devora

Crianças:
Atenção que o jumento é sabido
É melhor ficar bem prevenido
E olha, gata, que a tua pelica
Vai virar uma bela cuíca

Todos:
Mas não, mas não
O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores
As senhoras e os senhores
E os guardas e os inspetores
Fossem somente crianças


Arquitetura do Medo


Por Larissa Cosmi


Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá
[...]
Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar
[...]
Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo
Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão
[...]





(Miedo – Lenine)

Na letra acima, Lenine cita situações onde nos deparamos, face a face, com o medo, que se mostra mesmo em situações corriqueiras, as quais aprendemos a temer naturalmente, talvez como forma de defesa e ou insegurança, geradas pelo próprio medo.
Para Mia Couto, “Vivemos como cidadãos e como espécie em permanente situação de emergência. Como em qualquer outro estado de sítio as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.” (COUTO, 2001)

É como se o medo nos fosse intrínseco, até mesmo com o fim de identificarmos as sensações de segurança e paz convencionadas pela sociedade, talvez como uma forma de controle, como se fosse o limite entre o seguro e o ameaçador.

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que não trabalham têm medo de nunca encontrar  trabalho; quando não têm medo da fome, têm medo da comida; os civis têm medo dos militares; os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras e, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe. (GALIANO, ?)

Mas até que ponto o medo influi na concepção de um determinado espaço? Podemos observar numa simples caminhada pela cidade, verdadeiras fortalezas do século XXI, por trás de altos muros erguidos sem piedade e antes mesmo da forma ser estabelecida, sem nenhuma relação com ela, o que mal nos deixa admirar uma possível bela arquitetura e bloqueia sua inserção no mundo público. Pressionados pelo fenômeno da insegurança, cada vez mais os arquitetos dedicam suas idéias às ferramentas de segurança, que passaram a ser os itens de maior importância na compra de um imóvel.

Dessa forma, prédios e casas passaram a ser verdadeiras prisões gerando um caos psicológico dentro de moradores com inúmeras fobias, carentes de vivência urbana e que se confinam em interiores protegidos por grades, muros e cacos de vidro.
A relação entre o espaço público e o espaço privado fica cada vez mais distante e bem delineada. O jardim perde a função de extensão do passeio e as janelas não se abrem mais para as calçadas, por vezes se abrindo para dentro. A rua passa a ser a simples conexão de um local privado para outro e não funciona mais como um espaço de socialização. O que muitos não percebem é que a ocupação e a vivência do local público podem muito bem substituir um muro e inibir a ação de qualquer ladrão, pois a movimentação é comprovadamente mais eficaz que a barreira física.
Em Teses sobre Ludwig Feuerbach, Karl Marx condena esta individualidade e disserta sobre o grave dano social que ela acarreta: “A natureza do homem é a totalidade das relações sociais”.

4_ARQUITETO COMO ETNÓGRAFO_um esboço cartográfico no Centro de Vitória



Pescador - Avenida Jerônimo Monteiro - Centro de Vitória
Lavadeiras - escadaria do Palácio Anchieta - Centro de Vitória

















A incitação inicial para esse esboço cartográfico recaiu sobre a constatação de um relativo empobrecimento da experiência corporal urbana, certa esterilização dos sentidos e robotização das ações, determinados por fluxos concernentes às exigências do capital na cidade. Para o desenvolvimento do trabalho era preciso, inicialmente, identificar como a cidade se inscreve nos corpos e como esses corpos deixam marcas nos espaços, numa configuração mútua.

Para tanto, pensamos em nos utilizar da dança como instrumento de análise e ação, uma vez que ela lida diretamente com o corpo em movimento e suas implicações com o espaço e outros corpos. Ela também aponta caminhos quando se utiliza criativamente da atualização do projeto coreográfico pelos corpos dos bailarinos e incorpora em seu próprio processo de concepção os processos de subjetivação. Por meio da leitura e interpretação dos movimentos do corpo cotidiano/ordinário e sua posterior adaptação coreográfica, a dança se posiciona potencialmente de maneira crítica, na medida em que provoca certos deslocamentos na percepção.

Cogitamos formas de utilizar a dança, sem que essa ganhasse contornos espetaculares que apenas despertasse curiosidade, tornando-se evento observado passivamente à distância, impossibilitando a implicação tanto de nossa parte, como grupo de trabalho, como daqueles que passassem pelo local escolhido. Desejávamos tornarmos parte do mesmo processo, nos (re) modelando a partir das reações dos outros corpos e disposições dos espaços e fluxos.

Abrimos a possibilidade de utilizar-nos de nossos próprios corpos, não necessariamente com a dança, mas com ações performáticas que causassem interferências e provocassem a experiência de estranhamento e perturbação dos modos de funcionamento produzidos naquele contexto. Pensamos, portanto, em algumas alternativas ou desvios possíveis à lógica que engendra o espetáculo urbano.

Aqui, utilizamos o texto de Paola Berenstein Jacques (2008), em que a autora desenvolve o conceito de espetáculo como conseqüência de um processo de estetização acrítico e segregador, em que se reduz a participação cidadã na constituição da cidade e a relação entre as duas instâncias passa a ser mais distante, marcada por uma transitoriedade e superficialidade, na medida em que a cidade passa a ser um espaço pelo qual as pessoas transitam, sem constituí-la de fato.

Em contrapartida a esse processo, pensa-se a corporalidade como uma co-adaptação da cidade e do corpo, sendo que dessa forma os dois lados da relação interagem de forma mais intensa e ativa. Aqui, os estudos das relações entre corpo e cidade apontam possibilidades outras e linhas de fuga ao processo de espetacularização e o conseqüente entorpecimento diante de uma cidade que se apresenta como cenário intangível.

Dispusemo-nos então, a elaborar projeções ou territórios antagônicos como resposta às experiências que vivenciamos em nossas idas ao Centro e mais especificamente nos locais escolhidos (Avenida Jerônimo Monteiro e escadarias do Palácio Anchieta). Essas projeções, que através da performance, se configurariam como uma forma de micro-resistência ao processo de pacificação dos espaços públicos, ganhariam visibilidade por negação na medida em que procuram se inserir, não como parte do “espetáculo urbano”, mas sim, como meio de construção de dissensos e desvelamento de conflitos. A idéia de resistência aqui é pensada em termos de desacordo, desentendimento; e o dissenso, como possibilidade de se opor um mundo sensível a um outro, algo contra a homogeneização consensual.

Nossas proposições, por menos pretensiosas que procuravam ser, ao empreenderem uma crítica ao espetáculo pacificador, se colocavam como parte desse processo de espetacularização, uma vez que resistência e espetáculo são duas esferas que não somente coexistem nas cidades, mas também estão sempre co-implicadas. E essa crítica só poderia ser de fato tensionadora e problematizadora de dentro do próprio processo, mas em outra escala ou registro, em forma de infiltração, de pequenos desvios, ações moleculares, ou seja, enquanto micro-resistência.

Dessa forma, sem prescindir ao corpo cotidiano no espaço urbano, ou a corporeidade dos homens lentos (segundo Milton Santos), que praticam a “outra cidade” opaca, intensa e viva que se insinua nas brechas da cidade espetacularizada, partimos para a identificação desses praticantes ordinários e esboçamos ações performáticas que remetessem a hábitos e ações que outrora ocorriam onde a baia avançava e que hoje, em função dos aterros, aberturas de grandes vias e processos de verticalização, foram extintos ou relegados às margens pelo fluxo predominante de veículos, pessoas e o bloqueio visual produzido pelos altos edifícios.

A performance das "Lavadeiras" nas escadarias do Palácio Anchieta foi uma tentativa de contrastar por meio das cores e da própria ação, a vitalidade popular de uma prática que possui uma dimensão coletiva e compartilhada mas que frente a predominância de uma lógica de privatização dos espaços comuns, se retrai contra a “desordem das ruas”. Esse contraste também incide sobre o ordenamento e assepsia ao qual esse espaço foi submetido, uma vez que ao tornar-se um local emblemático e símbolo do poder governamental do estado, implicou, dentro da lógica espetacular, em processos de gentrificação conduzidos pelos sucessivos projetos urbanos de “revitalização”.



A performance do "Pescado" num bueiro de um ponto nevrálgico da Avenida Jerônimo Monteiro,  segue o mesmo raciocínio. Essa performance trouxe mais surpresas por ter possibilitado uma maior interação com os passantes, que se aproximavam para tecer comentários, indagar, ou simplesmente demonstrar estranhamento e suspeita. A questão da pesca é ainda mais forte ali, já que há poucos metros, à beira mar, pescadores e catraieros “jogam com um espaço que não vêe; tem dele um conhecimento tão cego como o corpo-a-corpo amoroso” (DE CERTEAU, M.,1996,P.171). Esses homens lentos têm o corpo como uma certeza materialmente sensível e são aqueles “para quem as imagens são miragens, não podem, por muito tempo estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo suas fabulações” (SANTOS, M.,1996, P.261)


Segundo Paola Berenstein, ações artísticas críticas na cidade contemporânea buscam ocupar, profanar, apropriar-se do espaço público para construir e propor outras experiências sensíveis e, assim, perturbar essa imagem tranqüilizadora e pacificada do espaço público que o espetáculo do consenso tenta forjar. Nessas ações que buscam um escape da hegemonia das imagens consensuais, a questão do uso e do corpo são prioritárias, em particular, a experiência corporal urbana, determinante para manter uma tensão permanente no espaço público.




Trabalho realizado durante a disciplina optativa de Urbanismo e Subjetividade, ministrada pelo professor Sérgio Prucoli

Grupo de trabalho: André Azoury, Bárbara Veronez e Carol Alves Lima

[referências]

DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1 artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1996.


GUIZZO, I. Micropolíticas Urbanas: uma aposta na cidade expressiva. 2008. Tese de mestrado apresentada à Universidade Federal Fluminense.


JACQUES, P. B. Corpografias Urbanas. IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. 28 a 30 de maio de 2008. Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.


JACQUES, P. B. Zonas de Tensão. Corpocidade:debates, ações e articulações, Salvador: EDUFBA, 2010


ROLNIK, S. Cartografia Sentimental, Transformações contemporâneas do desejo. 1989. Editora Estação Liberdade, São Paulo.


SANTOS, M. A natureza do espaço, técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
Hucitec, 1996.

Postado por Bárbara Veronez